sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

O Haiti existe?

Por Frei Betto*


Interessados em exibir na Europa uma coleção de animais exóticos, no início do século XIX, dois franceses, os irmãos Edouard e Jules Verreaux, viajaram à África do Sul. A fotografia ainda não havia sido inventada, e a única maneira de saciar a curiosidade do público era, além do desenho e da pintura, a taxidermia, empalhar animais mortos, ou levá-los vivos aos zoológicos.

No museu da família Verreaux os visitantes apreciavam girafas, elefantes, macacos e rinocerontes. Para ela, não poderia faltar um negro. Os irmãos aplicaram a taxidermia ao cadáver de um e o expuseram, de pé, numa vitrine de Paris; tinha uma lança numa das mãos e um escudo na outra.

Ao falir o museu, os Verreaux venderam a coleção. Francesc Darder, veterinário catalão, primeiro diretor do zoológico de Barcelona, arrematou parte do acervo, incluído o africano. Em 1916, abriu seu próprio museu em Banyoles, na Espanha.

Em 1991, o médico haitiano Alphonse Arcelin visitou o Museu Darder. O negro reconheceu o negro. Pela primeira vez, aquele morto mereceu compaixão. Indignado, Arcelin pôs a boca no mundo, às vésperas da abertura dos Jogos Olímpicos de Barcelona. Conclamou os países africanos a sabotarem o evento. O próprio Comitê Olímpico interveio para que o cadáver fosse retirado do museu.

Terminadas as Olimpíadas, a população de Banyoles voltou ao tema. Muitos insistiam que a cidade não deveria abrir mão de uma tradicional peça de seu patrimônio cultural. Arcelin mobilizou governos de países africanos, a Organização para a Unidade Africana, e até Kofi Annam, então secretário-geral da ONU. Vendo-se em palpos de aranha, o governo Aznar decidiu devolver o morto à sua terra de origem. O negro foi descatalogado como peça de museu e, enfim, reconhecido em sua condição humana. Mereceu enterro condigno em Botswana.

Em meus tempos de revista "Realidade", nos anos 60, escandalizou o Brasil a reportagem de capa que trazia, como título, "O Piauí existe." Foi uma forma de chamar a atenção dos brasileiros para o mais pobre estado do Brasil, ignorado pelo poder e pela opinião públicos.

O terremoto que arruinou o Haiti nos induz à pergunta: o Haiti existe? Hoje, sim. Mas, e antes de ser arruinado pelo terremoto? Quem se importava com a miséria daquele país? Quem se perguntava por que o Brasil enviou para lá tropas a pedido da ONU? E agora, será que a catástrofe - a mais terrível que presencio ao longo da vida - é mera culpa dos desarranjos da natureza? Ou de Deus, que se mantém silencioso frente ao drama de milhares de mortos, feridos e desamparados?

Colonizado por espanhóis e franceses, o Haiti conquistou sua independência em 1804, o que lhe custou um duro castigo: os escravagistas europeus e estadunidenses o mantiveram sob bloqueio comercial durante 60 anos.

Na segunda metade do século XIX e início do XX, o Haiti teve 20 governantes, dos quais 16 foram depostos ou assassinados.

De 1915 a 1934 os EUA ocuparam o Haiti. Em 1957, o médico François Duvalier, conhecido como Papa Doc, elegeu-se presidente, instalou uma cruel ditadura apoiada pelos tonton macoutes (bichos-papões) e pelos EUA. A partir de 1964, tornou-se presidente vitalício... Ao morrer em 1971, foi sucedido por seu filho Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc, que governou até 1986, quando se refugiou na França.

O Haiti foi invadido pela França em 1869; pela Espanha em 1871; pela Inglaterra em 1877; pelos EUA em 1914 e em 1915, permanecendo até 1934; pelos EUA, de novo, em 1969.

As primeiras eleições democráticas ocorreram em 1990; elegeu-se o padre Jean-Bertrand Aristide, cujo governo foi decepcionante. Deposto em 1991 pelos militares, refugiou-se nos EUA. Retornou ao poder em 1994 e, em 2004, acusado de corrupção e conivência com Washington, exilou-se na África do Sul. Embora presidido hoje por René Préval, o Haiti é mantido sob intervenção da ONU e agora ocupado, de fato, por tropas usamericanas.

Para o Ocidente "civilizado e cristão", o Haiti sempre foi um negro inerte na vitrine, empalhado em sua própria miséria. Por isso, a mídia do branco exibe, pela primeira vez, os corpos destroçados pelo terremoto. Ninguém viu, por TV ou fotos, algo semelhante na Nova Orleans destruída pelo furacão ou no Iraque atingido pelas bombas. Nem mesmo após a passagem do tsunami na Indonésia.

Agora, o Haiti pesa em nossa consciência, fere nossa sensibilidade, arranca-nos lágrimas de compaixão, desafia a nossa impotência. Porque sabemos que se arruinou, não apenas por causa do terremoto, mas sobretudo pelo descaso de nossa dessolidariedade.

Outros países sofrem abalos sísmicos e nem por isso destroços e vítimas são tantos. Ao Haiti enviamos "missões de paz", tropas de intervenção, ajudas humanitárias; jamais projetos de desenvolvimento sustentável.

Findas as ações emergenciais, quem haverá de reconhecer o Haiti como nação soberana, independente, com direito à sua autodeterminação? Quem abraçará o exemplo da dra. Zilda Arns, de ensinar o povo a ser sujeito multiplicador e emancipador de sua própria história?

*Texto encaminhado pelo prof. Marcio Antonio Guimarães e pela profª Marcia Eliane Medeiros Silva

Índices do MEC reprovam educação estadual

A primeira audiência pública de 2010 da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa, que ocorreu nesta quarta-feira (03/02), contou com a secretária de educação Tereza Porto e o conjunto de seus subsecretários, que auxiliaram a titular da pasta na exposição de uma longa e detalhada apresentação das realizações de 2009. Apoiando-se no atendimento — avanço que é reconhecido pelo movimento social – das reivindicações dos professores do Estado de matrículas 40 horas, o governo sustentou um balanço extremamente positivo de suas realizações. Para isso, contaram com as iniciativas de tecnologia da informação levadas às escolas, mas também com os inúmeros projetos, em parceria com grandes empresas privadas, que oferecem experiências de produção cultural aos alunos das escolas estaduais.
As entidades sindicais, o SEPE e a UPPES, criticaram com veemência a análise da Secretária de Educação. Apresentaram o somatório de alunos atingidos por tantos e tantos projetos, e o total não alcança 1% dos alunos da rede estadual, o que não deixa de ser constrangedor. Mais importante do que isso, no entanto, são os números que o Ministério da Educação, através do seu IDEB (Índice de Desempenho Educacional), apresenta para o Rio de Janeiro: os piores da região Sudeste e, em alguns casos, abaixo da média nacional. Para o Sepe, a explicação é simples: como o governador empurrou suas promessas de reforço salarial quase para as olimpíadas (2015), a rede estadual perde incessantemente recursos humanos para outras redes.

* Texto encaminhado pelo prof. Sergio Teixeira.

Poemas

Por Antonio Francisco da Silva*


Buggy: A propósito do uso inadequado de praias e dunas nordestinas, onde veículos circulam em detrimento da tranquilidade e integridade dos usuários em geral: Como pode nossas dunas/ Ocupadas por quem se arruma/ Do que é público e notório?/ Em conversa sem borduna/ Façam com que o buggy suma/ Pois que ele é predatório.// E também saia da praia/ Todo aquele que ensaia/ Como em peça de teatro./ Parem com essa gandaia/ E coloquem justa saia/ Nesse tal quatro por quatro.// Para que um quadriciclo?/ Na dúvida, eu logo clico/ E de pronto, então deleto./ Gaiatice só no circo/ Do contrário, pagam mico/ Pai, avô, filho e neto.// E, assim, que se retome/ A tranqüilidade em nome/ Da beleza enluarada./ Tem nome e sobrenome/ Todo olhar quando consome/ A visão de uma jangada.


Adulterações: Gente minha, há crianças / Sendo usadas por brinquedos!/ Depois que o tempo avança/ Ficam adultos sem enredo.// Se passeios estão na moda/ Novidades, contem agora./ Venham e entrem nessa roda/ De jogar conversa fora.// Reduzam televisivos/ E joguinhos nada idôneos./ Fiquem mais reflexivos/ A favor de seus neurônios.// Façam um jogo de bola/ Ou pratiquem natação./ Haja muita, muita, escola/ A favor da formação.// Parem desse big brother/ Que chega e aliena./ Nada de útil aborda/ Só faz tudo que apequena.// À criança se absolve/ Mas não cabe haver indulto/ Para quem não se resolve/ Como responsável adulto.

Agiotagem: Não é mera cortesia / Quando suas senhorias/ Vão pingando pouco a pouco./ Quem campanha financia/ No bojo da hipocrisia/ Vai querer depois o troco.// Fosse o financiamento/ Público, sem tais elementos/ Conspurcando a lisura/ Outro desenvolvimento/ Não daria provimento/ A qualquer das imposturas.// Econômica ou financeira/ Ou política eleitoreira/ Que se lacre essa pasta./ Seja sem eira nem beira/ Ou quem vem da sementeira/ Das alcovas de uma casta.// O poder não é negócio/ Para um grupo de sócios/ Fazê-lo compartilhado./ Eleitor saia do ócio/ Repudie o beócio / Que faz público de privado.// Se houvesse a descoberta/ De tudo que se acerta/ Sob o peso da moeda.../ A verdade sendo aberta/ Cidadão que fosse alerta/ Lutaria pela queda.// Basta de agiotagem/ Mão dupla de uma viagem/ Para o povo, sem retorno./ Já passa de molecagem/ Toda essa malandragem/ De cabeças com adorno.

Maioria Escandalosa: O escândalo do Arruda/ É mais um pra coleção./ O seguinte sempre ajuda/Esquecer outro vilão.// Vejam que depois do impeachment/ Veio a turma dos anões./ Orçamento foi o imã/ Para roubo de milhões.// Houve a tal da pasta rosa/ E também painel eletrônico./ Malvadezas pavorosas/ Desses meliantes crônicos.// Mensaleiros e mensalinas/ Fazem a Câmara de uma corja./ Severinos e severinas/ Quando assim, marque com forja.// E a turma do Senado/ Faz inveja ao capeta./ Por demais sempre agarrados/ Cada qual em sua teta.// Mas o chefe sem memória/ Diz que assina cheque em branco./ Diz, ainda, ter história/ Quem subiu pelo barranco.// Pra lembrar tem mais de vinte/ Nem carece de pesquisa./ Logo, logo, um seguinte/ Com alusão, chega e horroriza...// A verdade vem à tona/ Expondo turma ordinária./ E o golpismo aciona/ As forças reacionárias.// Aliás, delas que vem/ Maioria dos canalhas/ Eleitos como do bem./ Ai, do povo que trabalha!

Confraternização: Cada Réveillon que eu conto/ Cai uma folha de desconto/ Da árvore da minha vida./ Brindemos por enquanto/ Se pensar, eu fico tonto/ De um só cálice de bebida./ Brindemos a esperança/ Como aquela da infância/ De sonhos e fantasia./ Caleidoscópio que dança/ Como se numa festança/ De pares em alegria./ Uns aos outros, então, saudemos/ Só assim que manteremos/ Erguida a nossa taça./ Dálias, rosas, crisântemos/ Cada gota de sereno/ Ao jardim da nossa praça.


* Antonio Francisco da Silva é professor aposentado da rede estadual

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